sábado, 2 de outubro de 2010

SABOR (AZEDO) ADOCICADO DA SAUDADE...

1993, foi esse o ano em que me senti assim pela primeira vez, anestesiada, mas ainda sentindo dor. Mesmo depois de tantos anos ainda tenho a sensação de que vou entrar na cozinha e encontrá-la sentada na cadeira da cabeceira da mesa, me esperando para sentar em seu colo e mexer em suas rugas. Mas que saudades da vó Molinha!
Após a ida da vó Pascoa (Molinha) desejei nunca mais sentir uma dor como aquela, mas os anos se passaram e a chegada iminente de uma nova perda pairava em meu coração. Porém, diferente de quando eu tinha 7 anos, hoje percebo que mesmo com tristeza, posso encarar a morte com outros olhos. A saudade que sinto no momento e a tristeza da perda são balanceadas com a certeza de que ela foi em paz, de que findou seu sofrimento.
Hoje o mundo perdeu o brilho, um pouco do encanto da minha infância, do sabor único do feijão fresquinho e da couve mineira.
Sei que nossas vidas ganharão um vazio em alguns momentos, afinal nosso cérebro criará uma expectativa de que tudo não passou de um sonho ruim, de que a qualquer momento ela irá adentrar a sala dizendo "Miiro, vem comer", "Mas que linda, a Ni comeu tudo" ou "Filha fiz essa comida pensando em você, disse pra vó ' sei que a Andressa vem pra cá, então fiz aquela berinjela que ela adora', como a vontade viu!". É, ainda sinto o cheiro da cozinha quando nos reúniamos no Natal, lembro das conversas que embalavam os jogos de Tombola até altas horas, aquela risada que enchia o nossos ouvidos como se fosse música.
Por isso, hoje, venho por meio deste dizer até logo para uma certa mulher de olhos serenos da cor do céu da manhã e cabelos cintilantes como a luz do luar.
Digo até logo, pois não me permito dizer adeus à ela que é parte insubistituivel do que sou. Sei que quando menos esperar poderei reencontrá-la e esclarecer o motivo da minha ausência.
A lembrança funciona de uma forma engraçada, tem um gosto azedo adocicado do doce de abacaxi da minha vó, estranha o paladar, mas é delicioso.

"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
(...)
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
(...)
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam... "
(...)
Pablo Neruda